quinta-feira, 7 de agosto de 2008

"O problema não és tu, sou eu"

Há dias estava a ler a Visão, concretamente a cronica de António Lobo Antunes. Falava ele de como os homens se livram de relações que já perderam o interesse..ele falava de homens, falava de desdém, de cobardia, no fundo de verdades universais. No correr de palavras com os olhos os pensamentos desaguavam todos no mesmo rio - o do reconhecimento. Os afluentes eram inúmeros e a poluição cegava-me a lucidez..por momentos pensei que falava para mim, não para todos, não para homens, mas para e sobre mim.
É desconcertante.
A cobardia, o "mereces melhor" ou "cheguei à conclusão que não te faço feliz" e mesmo o "és uma pessoas cheia de qualidades"..clichés, tretas, saídas fáceis e limpas de um lugar sujo e difícil que neste momento se me remete na perfeição à minha cabeça. O que assusta é saber que frases feitas como esta já me saíram tantas vezes da boca, não por desdém, não por frieza, oh sim por cobardia, mas sobretudo por medo. Uma claustrofobia estúpida que me invade, as relações sufocam-me, as minhas convicções vivem na metamorfose, o que hoje me parece lindamente, amanha é o meu desespero. Quero como nunca ninguém há-de querer e deixo de querer com a facilidade mais parva de sempre. Não o faço por querer, mas não encontro, por mais que procure, o heterónimo falhado que quer.
Oh densa esquizofrenia que me faz espirrar uma vontade adquirida e apanhar de seguida uma estirpe diferente de gripe sentimental ou psíquica que trás mais uma vontade em anexo. As vezes sinto que não passo de um apêndice da minha vontade, qualquer coisa descartável, caso contrario severamente problemática.
Esperava que o António me tivesse explicado, ele tentou. Conseguiu pelo menos afundar-me ainda mais no entulho que me forra a hipófise. O que ele disse fez e faz todo o sentido:
"Os homens não prestam".
Mas há mulheres que também não.
Eu não presto por querer.
"O problema não és tu, sou [definitivamente] eu".

Um comentário:

João Pedro Lopes disse...

Há muito por onde pegar no meio desta coisa toda.

O António Lobo Antunes (como já referi de forma assertiva) é um gajo que está num primeiro lugar ex-aequo com mais um número muito (mesmo muito) restrito de pessoas no que diz respeito a escritores de língua portuguesa vivos. A atitude dele para com tudo é qualquer coisa de extraordinário. E há que reconhecer que uma pessoa que escreve uma frase como "é horrível estar grávido da morte" percebe muito sobre, não só palavras, mas da condição humana.

Em segundo lugar, apesar de realmente parecer um lugar comum, o sexo masculino de uma maneira geral tem uma maior facilidade em fazer o veni, vidi, vici (chegar, ver e vencer, sendo que o vencer pressupõe partir para outra jornada de veni, vidi, vici). O que quero dizer com isto é que, curiosamente, comportamentos similares têm motivações secundárias diferentes dependendo do género (masculino ou feminino) mas no fundo o que está por detrás disso é sempre a mesma coisa, o que é natural já que a espécie é a mesma (somos quase todos um tanto ou quanto humanóides).

Em terceiro lugar, a parte que tem várias palavras com mais de 3 sílabas está um bocadinho difícil de descodificar, mas com boa vontade e um esforçozinho tudo se consegue.

Por último gostava de frisar que o António Lobo Antunes é, realmente, extraordinário.

(Nota final: utilizares uma série de metáforas médicas e particularmente ligadas ao cérebro ou à psiquiatria foi muito bem pensado tendo em conta a referência a Lobo Antunes. Isso dava para o 20.)